• Serra dos Carajás. Créditos: Marcelo Cruz/MAM.

Programa Novo Carajás: megaprojeto da Vale ameaça territórios no Pará

Em fevereiro deste ano, a mineradora Vale S.A. anunciou o lançamento do “Novo Carajás”, um megaprojeto que prevê um investimento de R$70 bilhões na exploração de minério e produção de cobre no estado do Pará, com previsão de execução até 2030. O empreendimento é apresentado como exemplo positivo de parceria público-privada (PPP) e motor para o crescimento econômico da região, mas organizações da sociedade civil e movimentos sociais apontam que a iniciativa reitera a permanência de um modelo mineral predatório, que ignora os limites socioambientais.

Hoje, o Pará concentra mais da metade das exportações brasileiras de minério de ferro. Ao mesmo tempo, há cerca de 3 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza no estado. A disparidade entre a riqueza gerada pela atividade mineradora e a realidade vivida pelas populações locais escancara as contradições do modelo econômico vigente. Em entrevista ao Brasil de Fato, Charles Trocate, dirigente nacional do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), explicou que “a mineração, tal como a gente percebe no Brasil e na Amazônia, ela nos interessa e é importante da fronteira para fora, porque gera o equilíbrio da balança comercial e o superávit primário, mas para dentro, carrega consigo todas as anomalias, ou seja, é um modelo que a gente paga para existir, pela existência da Lei Kandir, pela isenção fiscal, pela renúncia fiscal e pela baixa alíquota da compensação financeira sobre a extração mineral”.

Serra dos Carajás. Créditos: Marcelo Cruz/MAM.
Serra dos Carajás. Créditos: Marcelo Cruz/MAM.

O nome do projeto, “Novo Carajás”, faz referência a outro megaprojeto da Vale, o Projeto Grande Carajás (PGC), lançado nos anos 1980. Seu objetivo era a extração e exportação principalmente de minério de ferro, mas também de outros minerais, como ouro, estanho, cobre e bauxita. Para viabilizá-lo, foi construída uma infraestrutura imensa, incluindo o Porto de Itaqui, em São Luís (MA) e a Estrada de Ferro Carajás, que vai do Pará ao Maranhão, cortando o norte e o nordeste do país, para ligar o Porto de Ponta da Madeira, em São Luís (MA), a Marabá (PA), Parauapebas (PA) e Canaã dos Carajás (PA). O impacto do PGC na economia foi grande – mas para as comunidades que estavam no caminho do empreendimento, foi imenso.

O município de Parauapebas é um retrato fiel desse paradoxo. Uma área com intensa exploração mineral, mas que convive com desmatamento acelerado, expulsão de comunidades rurais, degradação ambiental e ausência de infraestrutura. Os lucros bilionários da exportação de recursos naturais não se traduzem em melhorias para a população local, que segue marginalizada em seu próprio território.

Depois do PGC, Parauapebas passou a ser considerado o maior arrecadador do país na área da mineração. No entanto, acumula altos índices de pobreza e é o maior impactado pela sonegação de impostos da Vale no Brasil. Além disso, a região é lembrada por intensos conflitos por terra – que, muitas vezes, resultam em casos de violência. Um exemplo e símbolo dessa realidade é o Massacre de Eldorado do Carajás, que ocorreu em 1996, em Eldorado do Carajás (PA), há menos de 70 quilômetros de Parauapebas, quando 21 trabalhadores rurais sem terra foram assassinados pela Polícia Militar, durante uma manifestação. O episódio ficou marcado na história e inspirou a criação do Dia Nacional e do Dia Internacional da Luta Camponesa em Defesa da Reforma Agrária.

Histórias como essa continuam a se repetir. Em 2023, o Brasil teve um número recorde de conflitos no campo. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), foram 2.250 ocorrências, que envolveram pelo menos 950 mil pessoas – números que nunca haviam sido registrados, desde que a CPT iniciou o monitoramento anual, em 1985. Em 2024, houve uma pequena redução do número de ocorrências - ao todo, foram 2.185, o segundo maior número já registrado pela CPT. 

Os dados mostram que, nos dois últimos anos, a maior parte dos conflitos estava relacionado à terra, sendo que os três estados com mais ocorrências foram Bahia, Pará e Maranhão. A CPT também destacou que a violência contra as mulheres está aumentando expressivamente, incluindo casos de intimidação, ameaça, assassinato e estupro, sobretudo de mulheres indígenas e de comunidades tradicionais e quilombolas.

Ferrovia dos Carajás. Créditos: Marcelo Cruz/MAM.
Estrada de Ferro Carajás. Créditos: Marcelo Cruz/MAM.

O anúncio do “Novo Carajás” ocorre às vésperas da COP 30, que será sediada pelo Brasil, em novembro deste ano. O evento traz à tona debates pungentes sobre transição energética e sustentabilidade, mas os rumos do país indicam uma contradição evidente: enquanto o discurso oficial promete um futuro “verde”, a prática segue baseada na expansão de grandes projetos extrativistas voltados ao mercado externo. O “Novo Carajás” é reflexo direto dessa lógica, em que retroalimentam-se a exportação de commodities, a dependência do capital internacional e a ausência de mecanismos de controle social sobre os recursos naturais.

A Vale, que há quatro décadas atua no Pará, carrega um histórico marcado por violações de direitos humanos, conflitos com comunidades tradicionais e danos ambientais irreversíveis. Ainda assim, o apoio institucional ao projeto segue firme. Em declaração recente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva colocou o governo “à disposição” da empresa para garantir o sucesso da iniciativa, reafirmando o alinhamento entre o Estado e a gigante do setor mineral.

Para o MAM e outras organizações populares, essa aliança reforça um modelo concentrador de riqueza e poder. A ausência de mecanismos de controle social e a fragilidade das políticas públicas locais agravam o cenário. “Mesmo tendo todas as críticas ao modelo, e isso é uma fala de pensamento crítico, é necessário que haja controle social. Os capitalistas da mineração não podem fazer as vezes de governo, e o governo fazer as vezes de capitalistas da mineração. É necessário que a sociedade faça o controle, sobretudo nessa fase em que o modelo está incontrolável”, afirmou Trocate, em entrevista ao Brasil de Fato. Da mesma maneira, a soberania nacional está em risco diante da subordinação aos interesses das mineradoras.

Os riscos do “Novo Carajás” se fazem sentir em todas as esferas, como mostra a matéria da Rádio Brasil de Fato sobre os impactos do megaprojeto no Pará. A expansão do projeto pressiona ainda mais a floresta amazônica, já duramente impactada pela mineração – e também pelo agronegócio. Povos indígenas têm denunciado invasões de seus territórios, poluição de rios e escassez de água, além de ameaças diretas às suas formas de vida. A destruição de ecossistemas, habitats e a perda de biodiversidade são efeitos já documentados de uma lógica que prioriza o lucro em detrimento da vida.

Enquanto isso, a contribuição da mineração para o superávit da balança comercial brasileira segue sendo usada como justificativa para projetos como o “Novo Carajás”. Para Trocate, “sem garantir alternativas para as comunidades locais, fica evidente que o atual modelo mineral se promove às custas do meio ambiente e de seus povos, tornando-se mais um vetor de desigualdades”. Ele aponta que, “nesse sentido, a urgência por um novo paradigma de desenvolvimento é contundente. A transição energética, premissa do discurso oficial do governo, urge ser mais do que uma promessa. Exige mudanças estruturais que coloquem os territórios e os povos no centro das decisões sobre o futuro da Amazônia e do país. A mineração e os seus recursos, que pertencem à União, devem estar à serviço dos brasileiros, não apenas do capital estrangeiro”.