• Exploração de lítio no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. Imagem: Gil Leonardi/Imprensa MG

Exploração de lítio no Brasil: transição energética ou transação econômica?

A crise climática está obrigando países de todo o mundo a pensar em uma transição energética. A “transição verde” prevê a renovação da matriz energética por meio da substituição de combustíveis fósseis por fontes consideradas limpas, como a energia solar e a eólica. No entanto, há cada vez mais evidências apontando que megaprojetos de produção de energia renovável também têm produzido impactos socioambientais devastadores.

Nos últimos anos, esse movimento tem impulsionado uma forte demanda por lítio – mineral usado na fabricação de baterias de veículos elétricos, celulares e computadores –, devido à sua alta capacidade de condução térmica e elevado potencial eletroquímico. Apontado como peça-chave dessa transição, o mineral conhecido como “ouro branco” pelos empresários, tem ocupado espaço central nos debates sobre os rumos do setor energético global.

Exploração de lítio no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. Imagem: Gil Leonardi/Imprensa MG
Exploração de lítio no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. Imagem: Gil Leonardi/Imprensa MG

Segundo dados da Agência Internacional de Energia (IEA), a demanda por baterias de íons de lítio aumentou cerca de 65% em 2022, alcançando 550 GWh, frente aos 330 GWh registrados em 2021 – um crescimento impulsionado principalmente pelo aumento nas vendas de carros elétricos. A IEA considera que o aumento da mineração e do processamento de minerais críticos serve para apoiar a transição energética e acompanhar o ritmo da demanda por tecnologias de energia limpa. Nesse sentido, a agência sugere que acelerar a inovação por meio do desenvolvimento de novas tecnologias que permitam reduzir a necessidade desses minerais críticos é o caminho para garantir a “sustentabilidade, resiliência e segurança da própria cadeia de suprimentos”.

Enquanto grandes empresas e governos impulsionam a exploração do lítio, territórios minerados e suas populações enfrentam a desigualdade socioeconômica, o racismo ambiental e a exclusão dos processos decisórios que afetam diretamente suas vidas. Soma-se a isso a falta de transparência sobre esses processos, a flexibilização da regulação ambiental e os generosos incentivos fiscais concedidos a multinacionais, contrastando com os efeitos sentidos pelas comunidades locais, como o aumento do custo de vida, a inflação no preço dos aluguéis, deslocamentos forçados e a desestruturação de seus modos de vida.

Comunidades do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, que acabou ficando conhecido nos últimos anos como “Vale do Lítio”, vêm denunciando as contradições dessa transição energética, afinal, a substituição do uso de combustíveis fósseis por recursos minerais envolve processos de extração e refinamento que acarretam em uma série de danos ao meio ambiente e impactam diretamente no modo de viver da comunidade. A alteração da paisagem, poluição atmosférica, desmatamento, contaminação de nascentes, rios e mares são alguns dos impactos apontados por moradores, em reportagem do Nexo Jornal.

Moradores do Vale do Jequitinhonha. Foto: Isis Medeiros/Reprodução Observatório da Mineração
Moradoras do Vale do Jequitinhonha. Imagem: Isis Medeiros/Reprodução Observatório da Mineração

Esse contexto reacende o debate sobre a necessidade de uma transição que seja, de fato, justa e sustentável, e que tenha a efetiva participação das comunidades afetadas.

É urgente questionar até que ponto a corrida pelo lítio – pautada como solução para a crise climática – não configura a mera reprodução de desigualdades históricas e a geração de novos impactos socioambientais. Nesse sentido, a busca pelo “ouro branco” dessa “transição verde” se revela como uma nova configuração de um fenômeno já bem conhecido no Sul Global: o extrativismo mineral. Agora, neoextrativismo. Herança colonial que insiste em perseguir o Sul Global.

Esse modelo, que historicamente subordina os países do Sul à função de abastecedores para o Norte global, mantém-se centrado na exportação de commodities e perpetua um ciclo de exploração que já existe há séculos.

Frente a esse cenário, movimentos sociais e organizações da sociedade civil têm se articulado para denunciar os impactos da mineração e deste modelo de desenvolvimento predatório e para exigir políticas públicas que respeitem os territórios, os povos e a natureza.

O projeto “Contribuição Popular à Compreensão da Economia do Lítio no Brasil em Tempo de Transição Energética” é a principal resposta do Movimento pela Soberania Popular na Mineração, frente à escalada do neoextrativismo. O projeto articula atividades nos âmbitos nacional, regional e local, em seis estados da federação (Bahia, Ceará, Minas Gerais, Paraíba, Rio Grande do Norte e Rio Grande do Sul) e visa discutir os impactos da exploração desses minerais e a disputa mundial pelo lítio.

Por fim, é importante que o Brasil discuta qual é o projeto de transição energética que está sendo posto como saída à crise ambiental. Para Soraya Tupinambá, ativista da ecologia política, o que tem sido imposto é a visão europeia e o sacrifício do Brasil em servir as commodities da natureza. Em entrevista para o MAM e o Instituto Clima e Sociedade (ICS), Soraya afirma que “O que determina as emissões no Brasil é a mudança no uso do solo, é o desmatamento na Amazônia, são as queimadas. E isso não se dá à toa, isso se dá porque a industrialização do continente europeu e do norte global se dá às expensas do sul, e por isso que nós degradamos as nossas florestas, desmatamos, para produzir soja, para sermos campeões de produção de soja e de minério para exportar. Na geopolítica o mundo nos relega o lugar de países extrativistas, e neste exato momento está se projetando um aprofundamento disto”.