Nos dias 17 e 18 de maio, o Axé Abassá de Ogum, terreiro de Itapuã, em Salvador (BA), recebeu o encontro Iyá Akobióde – Mulheres que transformam, com o tema “Ancestralidade e Movimento”. Estavam presentes mulheres negras de axé, lideranças religiosas, educadoras, empreendedoras, comunicadoras e ativistas, que transformam, cotidianamente, as suas comunidades. A assessora político-pedagógica do Instituto Pacs, Thais Matos, participou e conta que “foi um espaço de fortalecimento coletivo, de escuta e de celebração dos saberes ancestrais, onde histórias de vida e trajetórias de luta foram compartilhadas, com o objetivo de inspirar novas ações e estratégias para a construção do bem-viver nos territórios”.

A mesa de abertura do evento contou com a participação da assessora do Pacs, que compartilhou a experiência da Caravana Contra os Racismos Religiosos, iniciativa proposta pelo Pacs e abraçada por outras organizações, movimentos sociais e coletividades religiosas de matrizes africanas, indígenas, ciganas e cristãs. Thais compartilhou contribuições para o debate sobre os fundamentalismos e chamou a atenção para o protagonismo das mulheres no seu enfrentamento. Ela destacou as trajetórias de resistência das matriarcas Mametu Muiadê, Makota Kidoiale e Mãe Sessy, do Kilombo Manzo Nguzo Kaiango, de Belo Horizonte (MG), que enfrenta o avanço da mineração na Serra do Curral, e da Iyalorixá Jaciara Ribeiro, liderança do Axé Abassá de Ogum e uma importante voz na luta contra o racismo religioso no Brasil.
Tanto o Kilombo Manzo quanto o Axé Abassá de Ogum compõem a Caravana Contra os Racismos Religiosos. Para saber mais sobre a iniciativa, clique aqui e acesse a aba da Caravana no site do Plano Popular Alternativo ao Desenvolvimento (PPAD).
A Iyalorixá Jaciara Ribeiro também compôs a mesa de abertura. Confira aqui o vídeo em que ela fala sobre o encontro.
Ainda estavam na mesa de abertura a reitora da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Adriana Marmori, e a diretora executiva da organização ecumênica Koinonia, que também constrói a Caravana Contra os Racismos Religiosos, Ana Gualberto. Em sua fala, Ana trouxe uma afirmação potente, que reforça o poder da atuação das mulheres na defesa da vida e dos territórios e ressoou entre todas que estavam presentes: “as mulheres são como água, crescem quando se juntam.
Ancestralidade e resistência em debate
No primeiro dia do evento foram realizadas quatro mesas de debate. A primeira abordou a saúde integral, a partir da provocação: “como ser uma mulher que transforma sem ter o Ori bem orientado?”. Estavam na mesa a psicóloga Anamy Lemos e a comunicadora Dina Lopes. Quem fez a mediação foi a educadora e especialista em diversidade e inclusão, Juliana Castro.
Para as religiões de matriz africana, o Ori, ou a cabeça, é compreendido como o elo entre o corpo e o sagrado. “Nesse sentido, enfatizou-se a necessidade de cuidar dele não apenas em sua dimensão psíquica, mas também espiritual. Observamos o adoecimento que atinge lideranças de movimentos sociais e territoriais, especialmente as mulheres negras, diante da sobrecarga emocional, das violências cotidianas e da luta constante por direitos. O debate destacou o papel das casas de axé como espaços de acolhimento e cuidado, reafirmando sua importância como promotoras de saúde em uma perspectiva ampla e integrada”, conta Thais.
Na segunda mesa de debate, estavam presentes a agricultora Ana Célia, a costureira e bordadeira barafunda Lais Monalay e a baiana de acarajé Elaine Assis, que compartilharam como seus ofícios, muitas vezes desvalorizados pela lógica capitalista, se tornaram ferramentas de transformação social, autonomia econômica e preservação da cultura e da memória e em comunidades negras. A mediação foi feita pela educadora e especialista em gestão social e políticas públicas, Hilmara Bitencourt. Para Thais, “as falas evidenciaram como esses saberes, herdados de suas ancestrais, não apenas garantem sustento, mas também constroem redes de afeto, fortalecem vínculos comunitários e criam novas possibilidades de existência digna e coletiva”.
Já a terceira mesa abordou questões de gênero e sexualidade nos terreiros, propondo uma reflexão sobre o matriarcado e a diversidade presente dentro das casas de axé. A mesa contou com a presença da comunicadora e doutora em educação Thiffanny Odara e da diretora executiva de Koinonia, Ana Gualberto. Quem fez a mediação foi a educadora e especialista em diversidade e inclusão, Juliana Castro. “Foram discutidos os desafios e conquistas relacionadas à presença de pessoas LGBTQIAPN+ e a retomada da importância do protagonismo das mulheres”, conta Thais. Ela também destaca que “as falas reforçaram que os terreiros, enquanto espaços de espiritualidade, também são espaços políticos e sociais, onde é preciso combater a infiltração de práticas machistas e promover o reconhecimento das identidades de gênero e orientações sexuais como parte da riqueza e pluralidade das tradições afro-brasileiras”.
A quarta e última mesa de debate teve como foco a educação e a valorização dos saberes de terreiro dentro das escolas. Dessa vez, quem compôs a mesa foram as professoras e pesquisadoras Egbomi Vanda Machado e Ekedji Carla Nogueira, a coordenadora executiva do coletivo Nzinga, Benilda Brito, e Iya Rita Luciana. A mediação foi feita pela pesquisadora Rosselini Muniz.
Foi destacada a importância da Lei nº 10.639/03, que torna obrigatório o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas, e como ela tem sido uma ferramenta fundamental na luta contra o racismo estrutural. As participantes refletiram sobre os desafios para a implementação efetiva da lei e sobre as estratégias que vêm sendo desenvolvidas para garantir que o conhecimento ancestral das comunidades negras e de axé seja reconhecido, respeitado e integrado aos currículos escolares. Para Thais, “o diálogo apontou que a educação, quando conectada à ancestralidade, se torna um instrumento de libertação, de afirmação identitária e de reparação histórica”.
No fim do dia, diversas mulheres que têm uma atuação transformadora foram homenageadas com a Medalha “Iyá Akobiode”, dedicada àquelas que seguem abrindo caminhos com coragem e cumprindo um papel essencial na construção da sociedade brasileira, através da sua força ancestral e sua atuação nas esferas política, cultural, social e espiritual.

O segundo dia do encontro foi marcado por uma roda de conversa que reuniu mulheres de diferentes tradições espirituais: a Iyalorixá Jaciara Ribeiro, do candomblé; a Pastora Gicelia Cruz, da igreja batista; a Renata Tupinambá, do povo indígena Tupinambá; e a Mestra Xamã Iya Adriana, da doutrina da mesa branca. Elas relataram suas experiências e as diversas formas de violência simbólica e estrutural enfrentadas por mulheres, em contextos religiosos e/ou de liderança. Também se discutiu como o fundamentalismo religioso tem se apresentado como uma ameaça ao diálogo inter-religioso e ao necessário reconhecimento da diversidade constituinte das tradições religiosas. “A roda evidenciou que, quando há diálogo, encontramos o que nos une: a defesa do direito à fé e a saúde integral para nós e para os nossos territórios”, conta Thais.

Para a assessora do Instituto Pacs, foi “um encontro potente e muito transformador, de inspiração e construção de estratégias coletivas, no qual mulheres militantes e profissionais de várias áreas demonstraram a importância da sua influência na sociedade. De forma muito qualificada, elas promovem transformações em diversas escalas, desde experiencias locais e comunitárias às políticas públicas”.